domingo, 27 de janeiro de 2008

Poema do Gato


Quem há-de abrir a porta ao gato
quando eu morrer?

Sempre que pode
foge prá rua,
cheira o passeio
e volta pra trás,
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato!)
mia com raiva
desesperada.
Deixo-o sofrer
que o sofrimento tem sua paga,
e ele bem sabe.
Quando abro a porta corre pra mim
como acorre a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao colo e acaricio-o
num gesto lento,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me e sorri, com os bigodes eróticos,
olhos semi-cerrados, em êxtase,
ronronando.

Repito a festa,
vagarosamente.
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta as maxilas,
cerra os olhos,
abre as narinas.
e rosna.
Rosna, deliquescente,
abraça-me
e adormece.

Eu não tenho gato, mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse?

sábado, 19 de janeiro de 2008

Aquele Lugar


Naquela tarde soalheira de Verão, soprava uma pequena brisa quente, o Ti Miguel encontrava-se sentado à porta da sua casa, olhando para a enorme planíce à sua frente. A horta vistosa, o jardim limpinho e bem tratado... tudo aquilo era o seu grande orgulho, levara uma vida inteira para o construir, e o resultado era espectacular!

Os seus 79 anos passados ali, anos intensos de uma vida de alegrias, tristezas, risos e muito trabalho... tudo fora construído com muito carinho... agora estava só... a sua amada deixara-o à pouco tempo... a sua morte inesperada tirara-lhe o chão debaixo dos pés... toda uma vida em conjunto, o mesmo sonho, o mesmo mundo, aquela casa, aquela terra que compraram com muito esforço, tudo a dois, é claro que também os seus filhos ajudaram, mas os seus sonhos eram diferentes, a curiosidade de outros lugares... novas aventuras soaram mais forte e foram.... foram à procura de realizar os seus próprios sonhos os seus próprios mundos...

Agora tudo aquilo tinha por companhia o Ti Miguel, que continuava a acreditar nos seus valores, mas agora mais só.

Tanta harmonia, tanta paz...

Mas na vida acontecem tantas viragens, tantos caminhos, tantos rumos... quem sabe se daqui a algum tempo, aquele lugar, voltará a ser o sonho de mais alguém... alguém como o Ti Miguel...

Fátima

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Tarde no Mar


A tarde é de oiro rútilo: esbraseia.
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,

Pousa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue o seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia,
Desenha mãos sangrentas de assassino!

Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretém a desfolhar...

E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mãos morenas, milagrosas,
São as asas do sol, agonizantes...

Florbela Espanca

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Prémio


Agradeço a atribuição deste Prémio à Amiga MARIAS, tal como ela não pretendo ser escritora, mas, e também aqui partilho os meus pensamentos, emoções e sobretudo muita Amizade!
Obrigada Amiga!

Para não quebrar as regras vou atribuir este Prémio a:

e ainda...

Tarefa difícil esta, pois continuando escolho todos...

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Mimo


O amigo GUI mimou-me com este presente!
Partilho-o também com os amigos do meu CANTINHO.

Haja Temeridade!

Sobre a ponte insegura é que é passar!
Fica o rio a correr dentro das veias.
Quanta angústia levar,
Quantas areias
De oiro
Ou de ilusão,
É como se nos fossem afogar
A inquietação.

Arcos de ferro ou de granito
E sólidos soalhos de varanda
Não me parecem piso de quem anda
A descobrir as formas imprecisas
Desta humana aventura.
Só de credo na boca vale a pena
Olhar a vida, que da sepultura
Nos acena.

Miguel Torga
Visão JL

Jorge Orfão - Olhares.com



sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Plano


Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor
que se despeja no copo da vida, até meio, como se
o pudéssemos beber de um trago. No fundo,
como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na
boca. Pergunto onde está a transparência do
vidro, a pureza do líquido inicial, a energia
de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta
são estes cacos que nos cortam as mãos, a mesa
da alma suja de restos, palavras espalhadas
num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira
hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,
esperando que o tempo encha o copo até cima,
para que o possa erguer à luz do teu corpo
e veja, através dele, o teu rosto inteiro.